Imaginemos, portanto, agora que temos tudo reunido, que não temos a menor dúvida quanto ao nosso propósito, que não estamos nos afogando numa fantasia escapista, que estamos integradas e que nossa vida criativa prospera. Precisamos de mais uma qualidade. Precisamos saber o que fazer, não no caso de perdermos nosso foco de atenção, mas quando o perdermos, ou seja, quando estivermos temporariamente desgastadas. O quê? Depois de todo esse esforço, ainda poderíamos perder nosso rumo? Poderíamos, sim, mas ele fica perdido apenas por um tempo limitado, pois é a ordem natural das coisas. Felizmente, os camponeses da Europa Oriental já resolveram tudo isso para nós. Eles têm um conto de fadas maravilhoso intitulado “Os três cabelos de ouro”.
Esta é uma história que os contadores vêm transmitindo às pessoas há centenas, talvez milhares, de anos, pois ela representa um arquétipo. É essa a natureza dos arquétipos…eles deixam uma comprovação, eles se entretecem nas histórias, nos sonhos e nas idéias dos mortais. Ali eles se tornam um tema universal, um conjunto de instruções, residindo não se sabe onde, mas atravessando o tempo e o espaço para iluminar cada nova geração. Há um ditado que diz que as histórias têm asas. Elas conseguem atravessar voando os montes Cárpatos para ir se abrigar nos Urais. Elas dão, então, um salto até as Sierras e seguem seu espinhaço até pular para as Montanhas Rochosas, e assim por diante.
Esta versão de “Os três cabelos de ouro” é romena. Existem também versões teutônicas e celtas. Ela ainda é conhecida na periferia da região desértica que cobre parte do México e dos Estados Unidos. É uma história que trata da recuperação do rumo perdido. O rumo é composto de sentir, ouvir e seguir a orientação da voz da alma. Muitas mulheres conseguem ter uma perfeita noção de rumo mas, quando perdem contato com ela, ficam dispersas como um colchão de penas aberto que se espalhou por todo o campo.
É importante ter um repositório para tudo o que sentimos e ouvimos da natureza selvagem. Para algumas mulheres, é o seu diário, onde elas deixam registrada cada pena que passa voando; para outras, é sua arte criadora: elas dançam a natureza selvagem, elas a pintam, elas a transformam num enredo. Você se lembra da Baba Yaga? Ela tem um grande caldeirão. Ela viaja pêlos céus num caldeirão que na realidade é um pilão com sua mão. Em outras palavras, ela tem um repositório no qual guarda as coisas. Ela tem um modo de pensar, um meio de se locomover de um local para outro que é contido. É, os repositórios são a solução para o problema de toda perda de energia, isso e mais alguma coisa. Vejamos…
Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés.
Foto: Jpeter Smith