De fato, compartimentamos Deus nas áreas invisíveis de nossa vida, uma vez que na maioria das situações não é socialmente permissível mencionar Deus ou religião em nenhuma via pública. Intimamente, somos confusos e desconfortáveis, exceto nos padrões institucionalizados nos quais participamos realizando ações sancionadas de reverência, ou seja, automaticamente. Há poucos públicos extasiados nas igrejas ultimamente.
Olhe ao seu redor e você vai detectar o esforço da paciência durante os sermões, o medo da culpa e a cabeça curvada, mas não o fervor de alegria por estar sob o foco da Fonte Divina.
Nós fomos até distâncias extremas para negarmos nossa conexão com a própria Fonte Divina. Usamos frequentemente
o nome de Deus como uma expressão de frustração e para exercermos o poder do maldizer – “Deus o castigue!”. Em momentos de desamparo e fúria, usamos a palavra Deus como palavra de praguejamento. “Deus, odeio aquilo” ou “Meu Deus!”.
Como Deus se tornou a conexão verbal para tudo que está fora de sincronia em nossa vida?
Temos sido ensinados por nossa religião que o pior dos pecados é pensar que somos sagrados ou tocados por Deus.
Por quê? O resíduo psicogenético das Cruzadas cristãs, a caça às bruxas, as limpezas genéticas e as guerras santas muçulmanas cicatrizaram nosso modelo espiritual. Pareceria mais natural admitirmos que todos pudéssemos ter experiências espirituais espontâneas que permitiriam nosso senso de conveniência se relacionar com Deus. Em vez disso, temos dificuldade em impor força de vontade, adotamos a punição corporal ou negação e rituais intermináveis de declamações para convencermos a nós mesmos, e também aos outros, de que somos dignos de uma relação Divina – uma que já é inextricável entre nós e nosso Criador – sejamos criminosos ou santos.
A maioria de nós guarda a experiência de Deus a uma distância segura para que não precisemos confrontar nosso
senso de culpa de que não somos quem afirmamos ser.
De onde veio essa culpa? Por que ela está tão afogada no sangue de maneira tão profunda em nossa vida e cultura?
Certamente nossa religião é permeada com a força da culpa.
Todas as autoridades religiosas perpetraram a culpa porque é algo muito efetivo para controlar as massas. É hora de tirarmos essa negatividade da nossa realidade espiritual e carnal, assim como dos pregadores que a empunham como uma arma contra nós.
Na verdade, Deus começou como um conceito de poder violento que nos assola quando não o satisfazemos. Essas mar-
cas primitivas ainda estão dentro de nós, trancadas no código psicogenético dos nossos eus inconscientes.
O medo de Deus tem um peso tão grande sobre nós que ainda não tentamos realmente explorar a verdade mais profunda – a de que somos cada um e todos uma parte da centelha Divina.
Assim como nossos filhos carregam nossos atributos, nós carregamos os de Deus. Ainda não compreendemos totalmente as qualidades do amor e da compaixão que podemos vivenciar por meio do modelo Divino, e dessa forma nosso mundo parece estar desprovido da bondade que nos foi concedida por meio do nosso DNA espiritual.
Na arena da tecnologia rápida, podemos clonar e cultivar vida, mas não podemos iniciar a vida.
Existe algo extremamente abrangente e infinito que nos concede a vida. Não podemos criar essa centelha por nós mesmos, mas podemos usá-la. Chegamos a um ponto essencial no qual podemos usar a vida de maneira completamente nova. É exatamente por essa razão que existimos.
Na realidade, devemos nos tornar os seres mais poderosos e amorosos do nosso conceito humano Divino ou destruiremos uns aos outros.
O que significa ser criado pela centelha Divina?
Significa que estamos aqui, em corpo, para sermos o veículo de expressão de uma Alma universal.
Significa que somos perfeitos e imbuídos com toda a beleza, o poder e as energias Divinas que são a essência do que chamamos de Deus.
Como seria viver de uma forma que todos os nossos pensamentos e ações fossem permeados com o senso do propósito Divino?
Seria fácil amar, ter compaixão, descobrir o poder do livre-arbítrio, e, acima de tudo, vivenciar a felicidade da integração.
É essa sede de integração que nos ata de forma tão persistente às nossas expressões religiosas-culturais, que parecem ter tão pouco significado para muitas pessoas fora da ligação a um lugar em nós que possui o conforto da integração.
Além dessa conexão mundana, somos integrados a uma energia universal que permeia universos, além de universos.
Em nossa vida, testemunharemos essa abertura dentro de uma arena cósmica, que vai mudar nosso conceito de Deus e nos ensinar novas verdades sobre a vida – não estamos sozinhos no oceano infinito de correntes cósmicas.
Humanos são grupos de animais. Somos ensinados e procuramos nosso lugar dentro do nosso mundo comum. Nossa visão míope de Deus nos causa a insistência de que Deus se parece e age como nós.
Como é incrivelmente ilusória e destrutiva essa visão da Fonte Divina infinita.
Em nosso desespero pela integração, criamos uma força de integração compelida contra o muro assustador da não-in-
tegração. Dessa forma, olhamos de forma maliciosa àqueles que não pertencem à/ao “nossa(o)” religião/deus. Rotulamos esses indivíduos e os enfrentamos, não muito por causa deles, mas porque eles ameaçam o nosso senso de lugar.
Quem está integrado?
Teria Deus um lugar para os outros?
Teria realmente o Criador de todos os humanos escolhido um grupo em vez do outro?
Cada grupo, religião ou cultura se agarra de forma tão desesperada à ilusão de que nenhum outro grupo tem Deus a seu favor, que todos os outros já descontentaram Deus e merecem ser expulsos.
O medo e ódio criados entre nossas religiões e nossos deuses vêm da nossa profunda confusão com relação a quem somos nós. É nosso hábito histórico empunhar Deus como uma arma em nossa batalha com os outros como se nossa relação com Deus fosse ser ameaçada pela possibilidade de que Deus os amaria também.
Se quisermos nos sentir amados por Deus, tudo o que devemos fazer é darmos amor à nossa Fonte Divina, vendo-a e
vivenciando-a em tudo e todos no nosso mundo tridimensional.
Não é tão difícil quanto parece, e praticar o amor é a forma mais rápida de nos livrarmos de nossos vícios de relacionamento de ciúme e posse, que habilmente transferimos de Deus para as outras pessoas.
Talvez esse estatuto de inveja seja a fonte de toda a rivalidade vivenciada atualmente.
Deus tem sido pintado como o Pai, cuja preferência devemos conquistar – não importa o quê. Da mesma forma que nos identificamos por meio de nossos pais, identificamo-nos pela nossa relação com nosso deus impregnado em nós pela nossa educação religiosa – mesmo quando adotamos não ter nenhuma.
O resultado para este padrão psicogenético é a revolta – que é exatamente o estado das coisas no mundo atual da religião.
Não queremos mais um deus/pai furioso. Na realidade, nós deixamos crescer demais esta forma de sistema hierárquico insana de nos relacionarmos. Não queremos pular por meio dos aros de fogo para que sejamos dignos do céu. Não queremos ser indignos – e ponto!
A melhor forma de fazermos isso é peneirarmos e descartarmos os conceitos negativos que temos sobre nós mesmos
e nosso deus.
Conforme o obstáculo é retirado haverá uma evolução natural da consciência pela qual poderemos entender a Fonte Divina na luz da verdade expandida. Talvez, se retornarmos à nossa percepção inicial da consciência de Deus,
poderemos ver de maneira mais clara como essas percepções primitivas nos prepararam para a maneira irracional e destrutiva que nossos conceitos religiosos negativos nos forjou como amedrontados, culpados, vergonhosos e um conjunto de características sombrias que vemos hoje.
A natureza não facilitou a vida dos primeiros humanos.
Vulcões expeliram lava e rochas em um mundo virgem e marcaram nos antigos humanos sua insignificância inconsequente.
Pegos naquele cenário de perigo constante, os sobreviventes necessitavam de um ajuste no alerta das faculdades instintivas para os sons e movimentos periféricos que poderiam causar a morte a qualquer momento.
A própria natureza estava cheia de energias intensas e assustadoras que produziam respeito e medo. Do céu vinham
pancadas de chuva, neve, ventos e ciclos de calor e frio que gravavam o cenário com inúmeros desafios para os humanos dos primórdios.
Conforme nossos ancestrais interagiam com seu mundo, eles começaram a reconhecer a força da criação que parecia arremessar seu poder diretamente a eles. Quando havia uma tempestade ou erupção, um tremor, ou uma grande
ventania, eles interpretavam isso como um ato pessoal focado neles.
Pense por um momento nas imagens devastadoras dos recentes tsunamis, o furacão Katrina, a visão de vilarejos intei-
ros sendo devastados, e então você poderá entrar no mundo de nossos ancestrais, de horror abjeto.
Imagine a força da natureza o atacando. Não há nada impessoal ou acidental nisso!
Há apenas você e esse imenso poder fixado no encontro da morte, e instintivamente você grita por piedade.
Todo o medo e confusão que nossos antepassados vivenciaram na piedade da natureza estão armazenados na nossa
própria memória celular.
Por meio dos caminhos da marcação psicogenética, suas realidades vivem em nós codificadas em nosso DNA espiritual, emocional e físico. Talvez essa seja a explicação por temermos tanto o escuro, os incêndios, as águas
do nosso mundo e por sermos pegos fascinados por eles; e ao mesmo tempo, desejando tão veementemente neutralizarmos essas forças da natureza.
No instante em que nossos ancestrais imploraram por sua vida, eles iniciaram um salto evolucionário de consciência.
Era um novo conhecimento do eu e do outro, e isso trouxe as possibilidades de relações inatas à espécie humana atual. Subitamente, existiam todas as questões e percepções sobre outros seres que avançaram a realidade coletiva. Como suas próprias explosões de medo e fúria, eles projetaram essas energias da natureza sobre esse poder colossal que continha sua existência em seu domínio, e eles deram o nome de DEUS.
Uma vez tendo batizado essa força, tudo pareceu e foi sentido de maneira diferente para eles. Em um flash de compreensão, eles viram que poderiam participar ou ao menos influenciar o tipo de energia que Deus estava estendendo. Encorajados por essa possibilidade, eles começaram a negociar sua sobrevivência e desenvolver maneiras de satisfazer a onipotência que os cercava. A extensão de suas capacidades de se relacionarem uns com os outros, e subsequentemente com seu Deus, era muito rudimentar e bruta.
Fascinados com esse novo incidente de relação, eles começaram a interpretar a totalidade dos atributos da natureza
como entidades separadas. Eles adotaram um deus da chuva, um deus da caça, um deus da fertilidade. Cada deus tinha certo tipo de poder que tinha de ser levado em consideração. Essa avaliação tomou a forma da tentativa de se certificar quanto ao que os deuses queriam em troca da chuva, alimento ou proteção pelos quais imploravam. Nossos antepassados supuseram que os deuses precisavam ser acalmados para que não virassem suas forças contra eles ou os destruíssem, mas para que os ajudassem a sobreviver. Eles temiam os deuses – cuja fúria tornou-se a causa para todos os perigos.
Inicialmente, os antigos não reconheceram esses deuses como sua Fonte ou seus criadores. Eles não se sentiam relacionados a eles, nem poderiam sequer sonhar que haviam sido criados por eles, mas em vez disso sentiam-nos como forças externas a eles. Uma vez que nossos ancestrais não tinham consciência das funções biológicas, eles não sabiam de onde vinha a vida. Eles achavam que os deuses concediam e controlavam a vida, mas eles não pensavam em si próprios como “filhos de Deus”. Eles possivelmente imaginavam Deus como um raio de luz, um vulcão ou mesmo um dragão, mas não um deus com a forma humana; essa projeção veio muito mais tarde, quando começamos a tentar neutralizar a natureza.
Chris Griscom, em A Evolução de Deus. Editora Vida & Consciência, 2010.