A visão coletiva

Um dos desafios para sermos criadores conscientes e não apenas reagentes é aceitar que somos influenciados pela visão coletiva da realidade, mesmo que não estejamos inteiramente convencidos dela. Assim como partilhamos uma forma física semelhante que desenvolvemos juntos por milhares de anos, também partilhamos as formas de pensamento que organizaram o mundo para nós.

Quando eu e você nos prontificamos a criar algo novo, temos de examinar os parâmetros de nossos sistemas de crenças sociais e aceitar aquilo que insuflamos nessas formas, assim como fazem todas as outras pessoas. Não somos apenas condicionados por essas vozes da nossa família e dos nossos amigos íntimos, mas também somos afetados por mensagens provenientes das raças e do planeta a respeito da realidade.
Em nossa identificação com a criação material, temos nomeado guardiães dos mitos a fim de reforçarem a realidade existente relatando-a sempre para nós, muitas e muitas vezes. Como disse o “Pogo” de Walt Kelly: “Nóis encontrou o inimigo, e eles é nóis!”

Os guardiães dos mitos na televisão, nos filmes, nas canções populares, na publicidade e na propaganda política são, em geral, altamente versados na arte de manipular símbolos e, se eles realmente acreditam naquilo que relatam, suas narrações são muitos poderosas. Na verdade, não podemos criticá-los, porque nenhum mito tem o poder de nos afetar se não acreditarmos nele secretamente. Se alguém realmente quiser compreender um povo, é bom estudar seus mitos.

Geralmente, as pessoas se sentem aliviadas e tranqüilizadas quando um mito é representado para elas, especialmente se ele traz entretenimento. É assim que o cinema, os espetáculos de televisão, a publicidade e as revistas tornam-se reflexos convincentes daquilo em que acreditamos coletivamente. No entanto, a televisão também é um agente poderoso da mudança de consciência. As pessoas que sofriam os horrores da guerra, a fome ou a ganância política estavam anteriormente afastadas de nós. Mas, através da ação direta da televisão e dos filmes, o tempo e o espaço explodem e vemos que essas pessoas não são os “outros”; notamos que são nós mesmos. O simples relato dos fatos está criando uma percepção lenta e sutil da unidade na consciência humana.

   A graça de existir

Todos os grandes pensadores, místicos, mestres espiritualistas, avatares, cientistas e artistas dominaram a habilidade de se locomover além das formas de pensamento culturais. Podemos materializar qualquer nova crença se levarmos a sério as palavras do Cristo Encarnado: “Para Deus, tudo é possível.”
Os sufis são mestres em demonstrar um princípio fazendo uso de uma história. Aqui está uma delas que evidencia a diferença entre acreditar e ser: Parece que houve um grande mestre sufi que era muito erudito e altamente especializado na teologia e no ritual sufi. Um dia, ele estava caminhando pela margem de um lago, concentrado em seus pensamentos, quando ouviu o som de uma canção atravessar o lago, vindo de uma ilha. Esse canto feriu seus ouvidos, pois ele sabia exatamente como deveria soar, e não era aquele ruído. Como se tratava de um mestre responsável, decidiu corrigir essa distorção. Assim sendo, remou para a ilha, onde encontrou um homenzinho eufórico cantando com a maior alegria. O mestre sufi apresentou-se, deixando claro, naturalmente, que era um especialista na matéria, e ofereceu-se para lhe ensinar a maneira correta de cantar. O homenzinho se sentiu grato e aceitou o ensinamento.
Quando o mestre sufi se mostrou satisfeito por ter cumprido sua obrigação, voltou ao barco e começou a remar. Já estava na metade do lago, quando ouviu um som estranho: “splish, splash; splish, splash”. Voltou-se e viu o homenzinho correndo atrás dele sobre a superfície da água.
— Espere um instante, ó grande mestre — exclamou o homenzinho. — Como o senhor disse que era o último verso?

Há uma outra história, da tradição hebraica, que nos ensina a ver além da tradição: Houve certa vez um rabino muito importante e santo. Sempre que a desgraça ameaçava o povo judeu, ele ia até um determinado lugar da floresta para meditar. Lá, acendia uma fogueira e rezava uma oração especial e, milagre dos milagres, a desgraça se afastava.
Depois que ele morreu, a tragédia ameaçou novamente os judeus, e um de seus discípulos, também ele um rabino, procurou ajuda celestial. Foi até o mesmo lugar na floresta e disse: “Ó Senhor Deus, dirigente do mundo, eu não sei como acender a fogueira, mas ainda sei fazer a oração.” E o milagre aconteceu outra vez.
Muitos anos depois, outro rabino temeu pela vida de seu povo. Mas ele tinha ouvido apenas vagas versões sobre essa tradição. Porém, desesperado em busca de um milagre, entrou na floresta e rezou: “Ó, Senhor, eu não sei como acender a fogueira. Não sei a oração. Mas conheço o lugar e espero que isso baste.” E mais uma vez houve o milagre.
Passadas algumas gerações, outro rabino quis ajudar seu povo a superar a desgraça. Sentou-se em casa e falou com Deus, dizendo: “Não tenho a menor idéia de como encontrar o lugar na floresta. Não sou capaz de acender a fogueira. Não conheço a oração. Tudo o que posso fazer é contar-lhe a história. Espero que seja suficiente.” Ainda uma vez o milagre ocorreu.

Nós não temos de ficar imaginando qual é o sistema de crença correto e trabalhar febrilmente para alcançar uma boa posição nesse sistema. O trabalho não consiste em ficar imaginando como ser bons. Já somos bons porque fomos feitos à imagem de Deus — como poderia ser de outro modo? A grande ilusão é de que não somos bons. Essa é a ilusão que primeiro adquirimos e depois nos dispomos a provar.
O trabalho não consiste em ficar imaginando o que fazer, como fazer direito, como alcançar a estrela de ouro. Ele está relacionado com o ser, com o desejo de tornar a nos religar. Nós estaremos fazendo muito. Quanto mais despertarmos e quanto mais conscientes estivermos em relação a quem somos e quem são todos os outros, tanto mais força teremos, mais criativos e amorosos nos tornaremos. O amor leva automaticamente ao serviço.
Uma nova ligação exige o despertar para o nosso direito inato e a lembrança de que já temos um liame. Não é algo que adquirimos; temos apenas de aceitar isso. A graça nunca foi retirada de nós. Nós a retiramos de nós mesmos com as nossas crenças limitadas com respeito a nós próprios.

Em certa ocasião, tomei a graça como tema de meditação, quando me foi apresentada a seguinte imagem: Vi uma fonte de Luz líqüida. Ela formava uma torre no ar, brilhante e colorida. Vi pessoas sedentas aproximarem-se dessa fonte, cada uma levando um recipiente. Algumas levavam apenas um dedal, que enchiam, depois bebiam rapidamente e se iam embora correndo. Outras levavam uma taça, enchiam-na e desapareciam. Eu sabia que retornariam, impelidas pelo vento seco do deserto. Vi também uma criança sorrindo. Era um menino. Ele correu até a fonte, tirou a roupa, pulou dentro e desapareceu na água, e tudo o que pude ver e ouvir foi o brilho ocasional de um olhar faiscante e a canção do seu sorriso. Então compreendi que aquilo é que era graça.
Como seria maravilhoso se pudéssemos, como aquela criança, pular simplesmente para dentro das águas perenes da fonte da graça e aceitar o nosso direito de nos banhar e brincar lá dentro. Ou então, como algum herói de um filme de quinta categoria, se pudéssemos apenas jogar fora nossos vícios e máscaras e proclamar: “Eu vi o erro de minhas ilusões a meu próprio respeito. Agora tenho consciência de que sou feito à imagem de Deus e devo demonstrar isso imediatamente.”

Você conhece alguém que fez isso sem lutar? Nem eu.
A maioria de nós, quando desperta para a Luz, encontra-se emaranhada numa complicada estrutura feita de dogmas, defesas, temores e preconceitos tribais. Nosso ego humano protesta; ele prefere mil vezes reordenar a realidade de acordo com a informação que está disponível.

As 7 Etapas de uma Transformação Consciente, p. 77.

Foto: Visualizer

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