O cãozinho aprende os nomes das mulheres outra vez e volta correndo para seu dono. Ele ignora o petisco no meio da estrada e o aroma apetitoso que vem do mato. Nesse ponto, vemos o despertar da consciência da psique. A psique instintiva aprendeu a se controlar, a fixar prioridades e a concentrar a atenção. Ela se recusa a ser distraída. Agora está determinada.
No entanto, de repente um ser sombrio vindo do nada salta sobre o cãozinho.
O estranho sinistro sacode o cachorro aos gritos. “Diga-me os nomes! Diga-me os nomes das moças para que elas sejam minhas.” O estranho sinistro não se importa com a dualidade ou com as nuanças sutis da psique. Para ele, o feminino é um objeto a ser conquistado, e nada mais.
O estranho sinistro pode ser encarnado por uma pessoa verdadeira no mundo exterior ou por um complexo negativo interno. Não importa qual seja a apresentação, o efeito devastador é o mesmo. Desta vez, porém, o cachorro entra numa luta desenfreada. Seja a pessoa do sexo masculino, seja do feminino, isso pode ocorrer na vida objetiva quando um incidente, um lapso, algum acontecimento estranho de qualquer natureza, surge de repente e tenta nos fazer esquecer quem nós somos. Há sempre algo na psique que procura nos privar dos nomes.
Também no mundo objetivo existem muitos ladrões de nomes. Na história, o cãozinho luta como se disso dependesse sua própria vida. Às vezes o único meio de aprendermos a nos manter fiéis ao nosso conhecimento profundo resulta do surgimento desse estranho à nossa frente. Somos, então, forçadas a lutar pelo que prezamos — lutar para ter firmeza naquilo a que nos dedicamos, lutar para superar nossas motivações espirituais mais superficiais, o que Robert Bly chama de “desejo de se sentir maravilhoso”, lutar para terminar o que iniciamos.
O cãozinho luta para guardar os nomes, superando, assim, seus repetidos escorregões no inconsciente. Terminada a batalha, ele não perdeu os nomes, pois era exatamente esse o motivo da briga, ter o conhecimento do feminino selvagem. Quem quer que possua esse conhecimento tem um poder equivalente ao da própria mulher.
O cão lutou para transmitir esse poder ao homem digno, Manawee. Ele lutou para manter afastado desse poder um aspecto da natureza humana primitiva que o usaria indevidamente. A transmissão do poder às mãos certas é tão importante quanto a descoberta dos nomes.
O cão heróico passa os nomes a Manawee, que os apresenta ao pai das moças. Estas já estão prontas para partir com Manawee. O tempo todo elas estavam aguardando que ele descobrisse e guardasse o conhecimento consciente das suas naturezas intrínsecas.
Concluímos, portanto, que as duas coisas que prejudicam o avanço nessas questões são as distrações dos nossos apetites e o estranho sinistro — sendo que este pode estar no opressor inato à psique ou às vezes numa pessoa ou situação do mundo objetivo. Seja como for, cada uma sabe no fundo como derrotar esses saqueadores e espoliadores. Guarde os nomes; os nomes são tudo.
Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés
Foto: Ahmed ElHusseini