É dito na história que são muitos os que tentam caçar a alma para capturá-la e matá-la, mas que nenhum caçador o consegue. Mais uma referência nos contos de fadas à indestrutibilidade da alma selvagem. Mesmo que tenhamos trabalhado, feito sexo, descansado ou brincado fora dos ciclos, isso não mata a Mulher Selvagem, só nos deixa exaustas. O lado bom consiste em podermos fazer as correções necessárias e voltar aos nossos próprios ciclos naturais. É com o amor e o cuidado com nossas fases naturais que protegemos nossa vida para que ela não seja arrastada pelo ritmo de outra pessoa, pela dança de outra pessoa, pela fome de outra pessoa. É através da legitimação dos nossos ciclos distintos para o sexo, para a criação, o descanso, o lazer e o trabalho que reaprendemos a definir e a discriminar todos os nossos sentidos e fases selvagens.
Sabemos que não podemos viver uma vida confiscada. Sabemos que há uma hora em que as questões dos homens e as questões do mundo precisam ser abandonadas por algum tempo. Aprendemos que somos como anfíbios. Podemos viver na terra, mas não para sempre, não sem viagens à água e ao lar. Culturas excessivamente civilizadas e repressoras tentam impedir as mulheres de voltar para casa. Infelizmente, ocorre muitas vezes que ela seja espantada de perto da água até que definhe e perca o brilho.
No entanto, quando chega o chamado para uma estada prolongada, uma parte dela sempre ouve, sempre esteve lá esperando ouvir. Quando vem o chamado de volta ao lar, ela o seguirá, pois, em segredo, ou em nem tanto segredo, ela vem se preparando para segui-lo. Ela e todos os aliados na sua psique interior irão recuperar sua capacidade para voltar. Esse processo revigorante não se aplica apenas a uma mulher aqui e outra ali, mas a todas nós. Todas nós nos enredamos em compromissos em terra firme. Mesmo assim, a mais velha lá longe no mar chama a todas. Todas precisam voltar.
Nenhum desses meios de volta ao lar depende de condição econômica, status social, formação ou mobilidade física. Mesmo que só possamos ver uma folha de grama, mesmo que só tenhamos vinte centímetros de céu para observar, mesmo que só vejamos uma erva esguia que brota de uma rachadura na calçada, podemos ver nossos ciclos dentro da natureza e com ela. Todas nós podemos nadar mar adentro. Todas podemos entrar em comunhão com a foca na rocha. Todas as mulheres precisam dessa união: mães com filhos, mulheres com amantes, mulheres solteiras, mulheres com empregos, mulheres na fossa, mulheres de sucesso, mulheres introvertidas, mulheres extrovertidas, mulheres com fortes responsabilidades profissionais.
Nas palavras de Jung, “seria muito melhor simplesmente admitir nossa pobreza espiritual. …Quando o espírito fica pesado, ele se transforma em água. …Portanto, o caminho da alma… conduz à água”.
A volta ao lar e os intervalos para conversar com a foca na rocha no mar são nossos atos de uma ecologia inata e integral, pois eles todos representam a volta à água, o encontro com a amiga selvagem, aquela que acima de todos os outros nos ama incansavelmente, sem se defender e com profunda tolerância. Basta que olhemos no fundo daqueles olhos
veementes que são “sábios, selvagens e amorosos”, e que aprendamos com eles.
Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés.
Foto: Madaboutasia