Voltemos à questão em pauta: a moral e a revolta dos escravos , a mais radical declaração de guerra que trouxe a inversão de valores em seu núcleo.
E conforme Nietzsche, o que aconteceu é que, do mais profundo e sublime ódio (e ressentimento) judeu, que foi criador de ideais e recriador de valores, brotou o mais sublimes de todos os tipos de amor, com uma coroa que no reino da luz e das alturas buscava as mesmas metas daquele ódio judeu, a sua vitória, o seu espólio, a sedução, e com um impulso de mesma força: o evangelho vivo do amor, o “redentor” portador da vitória e da bem-aventurança aos pobres, aos doentes e aos pecadores. Mas não era esse “redentor” a sedução em sua forma mais inquietante e irresistível , a sedução e a via sinuosa para justamente disseminar aqueles valores judeus inovadores como ideal?
E eis os fatos: o povo venceu (ou os “escravos”, ou a “plebe”, ou o “rebanho”, ou como quiser chamá-lo). Os “senhores” foram abolidos e a moral do “homem comum” venceu. Tudo, desde então, se “judaíza”, ou “cristianiza”,ou “plebeíza” visivelmente (que importam as palavras?).
Mas vamos destacar, finalizando a leitura de Nietzsche, o que essa vitória também justifica?
Nietzsche ( p. 29) diz que, enquanto toda a “moral nobre” nasceu de um triunfante SIM a si mesma, já de início a “moral escrava” nasceu de um NÃO a um outro, ao de fora, e este NÃO foi seu ato criador. Assim, esta inversão do olhar que estabelece “valores”, ou este necessário dirigir-se para fora (em vez de voltar-se PARA SI) é algo próprio do ressentimento, ou seja: a “moral escrava” sempre requer,para nascer, um mundo oposto e exterior para poder agir em absoluto; sua ação é apenas RE ação.
O contrário aconteceu na forma de valoração do “nobre”: ele age e cresce espontaneamente, busca seu oposto apenas para dizer SIM a si mesmo com ainda maior júbilo e gratidão. Seu conceito negativo (o de “baixo”, “comum” ou “ruim”) é apenas uma imagem de contraste pálida e posterior, em relação ao conceito básico, positivo, cheio de vida e paixão: “nós, os nobres, nós, os bons, os belos, os felizes!”
E agora eu trago à reflexão ( que versa basicamente sobre o que significa viver o “bonzinho” na moral contemporânea, e no nosso contexto, cristã) as considerações de Luiz Gasparetto, como havia anunciado na primeira parte.
Gasparetto em seu livro Faça Dar Certo (Ed Vida e Consciência) nos chama atenção para o “bonzinho” na sociedade contemporânea (Capítulo II), caracterizando-o como um padrão nocivo de pensamento. Para ele, o “bonzinho”, na verdade, sempre age com a intenção de seduzir (como na “moral escrava”, de Nietzsche, lembra?), pois faz tudo para os outros esperando que lhe retribuam com apoio e proteção nas possíveis situações de rejeição (como uma REação).
O protecionismo para com o “bonzinho sedutor”, por outro lado, reforça o vitimismo que lhe é inerente: dentro dele, “bonzinho”, há um enorme vazio, pois ele não se dá valor (não é “nobre”, não é “bom”, não é “belo”, não é “feliz’) e vive cheio de problemas e perturbações que não consegue resolver, por se julgar incapaz ou menor (ruim). De acordo com Gasparetto, no Brasil o papel de “vítima” é bastante popular porque, de um modo geral, acredita-se mais na carência (dos pobres, doentes, sofredores, necessitados, impotentes, dos feios…) do que na abundância.
Como Gasparetto ensina, “rico” (“nobre”, “superior”, “bom”, “belo”) é quem acredita que é. A riqueza existe dentro de cada um, mas só vai se manifestar na sua vida quando você acreditar que tem direito a ela, criando pensamentos prósperos, saudáveis e harmoniosos com a Natureza. E embora a Natureza não condene ninguém, a religião tem instilado no homem a crença no pecado, ao mesmo tempo em que promove a ideia de que o acúmulo de riquezas pode ser sinônimo de avareza, tentação e egoísmo. Mas na verdade são as igrejas que detêm sempre as maiores fortunas para manter seu poder, não?
E o ciclo continua.