Como dar o grito : Chamando os Irmãos Psíquicos

Quando o Barba-azul chama a esposa aos berros e ela tenta desesperadamente ganhar tempo, ela está tentando reunir forças para superar seu carcereiro, quer ele seja, especificamente ou em combinação com outros fatores, uma religião, um ma­rido, uma família, uma cultura destrutiva, quer se trate dos complexos negativos da mulher.

A mulher do Barba-azul apela com desespero, mas com astúcia. “Por favor”, sussurra ela, “permita que eu me prepare para a morte.”

“Está bem”, rosna ele. “Mas prepare-se.”

A mulher convoca seus irmãos psíquicos. O que eles representam na psique de uma mulher? Eles são os propulsores mais musculosos, os elementos de natureza mais agressiva da psique. São a força interior à mulher que sabe agir quando chega a hora de matar. Embora essa qualidade seja retratada nessa história por meio do sexo masculino, ela poderia ser atribuída a qualquer um dos sexos — bem como a objetos que são neutros como, por exemplo, a montanha que se fecha sobre o intruso, ou o sol que desce por um instante a fim de torrar o saqueador.

A esposa corre escada acima até seus aposentos e coloca a irmãs nas muradas. Ela grita para as irmãs, “Vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?” E as irmãs lhe dizem que ainda não vêem nada. Quando o Barba-azul ruge para que a esposa desça até o subterrâneo para que ele possa decapitá-la, mais uma vez ela grita, “Vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?” E as irmãs lhe respondem que parecem estar vendo um pequeno redemoinho muito ao longe.

Nessa cena temos o desenrolar completo do surto de força intrapsíquica da mulher. Suas irmãs — as mais experientes — assumem o papel principal nesse último estágio da iniciação. Elas se tornam os olhos da irmã mais nova. O grito da mulher transpõe uma longa distância intrapsíquica para chegar onde moram seus irmãos, onde moram aqueles aspectos da psique que foram treinados para a luta, para lutar até a morte se necessário. A princípio, porém, os aspectos defensores da psique não estão tão acessíveis à consciência como deveriam estar. O entusiasmo e a natureza combativa de muitas mulheres não se situam tão perto do consciente quanto seria eficaz.

A mulher deve ensaiar a convocação ou a invocação da sua natureza combativa, do redemoinho, da força do vento. O símbolo do redemoinho de areia possui uma força tal de determinação que quando se concentra em vez de se dispersar confere enorme energia à mulher. Com essa atitude mais impetuosa, ela não perde a consciência nem é enterrada na companhia das outras. Ela resolve, de uma vez por todas, o assassinato interno das mulheres, sua perda da libido, a perda da sua paixão pela vida. Embora as perguntas-chave propiciem a abertura e a soltura exigida para a liberação, sem os olhos das irmãs, sem o vigor dos irmãos armados de espadas, ela não tem como vencer totalmente.

O Barba-azul chama pela mulher e começa a subir a escada de pedra. A mulher grita para as irmãs, “E agora, já estão vendo nossos irmãos?” As irmãs respondem, “Estamos! Estamos vendo nossos irmãos: eles estão quase aqui.”

Os irmãos vêm galopando pelo saguão. Investem quarto adentro e forçam o Barba-azul a sair até a balaustrada. Ali, com suas espadas, eles o matam e deixam o que resta para os devoradores de carniça.

Quando as mulheres conseguem emergir da ingenuidade, elas trazem consigo mesmas e para si mesmas algo de inexplorado. Nesse caso, a mulher agora mais sábia procura o auxílio de uma energia masculina interna. Na psicologia junguiana, esse elemento foi denominado animus: um elemento em parte mortal, em parte instintual, e em parte cultural da psique da mulher que se apresenta nos contos de fadas e na simbologia dos sonhos como seu filho, seu marido, um estranho e/ou amante — possivelmente ameaçador, dependendo das circunstâncias psíquicas do momento. Essa figura psíquica tem valor especial por ser investida de qualidades que a criação tradicionalmente extirpa das mulheres, sendo a agressividade uma das mais comuns.

Quando essa natureza do gênero oposto é saudável, como simbolizada pelos irmãos no “Barba-azul”, ela ama a mulher na qual reside. Ela é a energia intrapsíquica que ajuda a mulher a realizar qualquer coisa que peça. É ele quem é capaz de violência, enquanto ela pode ter outros talentos. Ele irá ajudá-la na sua busca de consciência. Para muitas mulheres, ele é a ponte entre os mundos internos do pensamento e do sentimento e o mundo exterior.

Quanto mais forte e amplo o animus (pense no animus como uma ponte), com maior estilo, capacidade e desenvoltura a mulher manifestará suas idéias e seu trabalho criativo no mundo exterior de modo concreto. Uma mulher com um animus pobremente desenvolvido tem muitas idéias e pensamentos mas é incapaz de manifestá-los para o mundo lá fora. Ela sempre pára a um passo da organização ou da implementação das suas imagens maravilhosas.

Os irmãos representam a bênção da força e da ação. Com sua ajuda, no final, duas coisas acontecem. A primeira consiste na neutralização na psique da mulher da enorme capacidade paralisante do predador. A segunda é a substituição da virgem de olhos vidrados por uma de olhos vigilantes, com um guerreiro de cada lado se ela precisar convocá-los.

CLARISSA PINKOLA ESTÉS, em Mulheres Que Correm Com Lobos.

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