Continuação...
— O que você quer?
— Vovó, vim apanhar fogo — respondeu a menina, estremecendo. — Está frio na minha casa… o meu pessoal vai morrer… preciso de fogo.
— Ah, sssssei — retrucou Baba Yaga, rabugenta. — Conheço você e o seu pessoal. Bem, criança inútil… você deixou o fogo se apagar. O que é muita imprudência. Além do mais, o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?
— Porque eu estou pedindo — respondeu rápido Vasalisa depois de consultar a boneca.
— Você tem sorte — ronronou Baba Yaga. — Essa é a resposta certa.
E Vasalisa se sentiu com muita sorte por ter acertado a resposta. Baba Yaga, porém, a ameaçou.
— Não há a menor possibilidade de eu lhe dar o fogo antes de você fazer algum trabalho para mim. Se você realizar essas tarefas para mim, receberá o fogo. Se não…
— E nesse ponto Vasalisa viu que os olhos de Baba Yaga de repente se transformavam em brasas.
— Se não, minha filha, você morrerá.
E assim Baba Yaga entrou pesadamente no casebre, deitou-se na cama e mandou que Vasalisa lhe trouxesse a comida que estava no forno. No forno havia comida suficiente para dez pessoas, e a Yaga comeu tudo, deixando uma pequena migalha e um dedal de sopa para Vasalisa.
Lave minha roupa, varra a casa e o quintal, prepare minha comida, separe o milho mofado do milho bom e certifique-se de que tudo está em ordem. Volto mais tarde para inspecionar seu trabalho. Se tudo não estiver pronto, você será meu banquete.
E com isso a Baba Yaga partiu voando no seu caldeirão com o nariz lhe servindo de biruta e o cabelo, de vela. E anoiteceu novamente.
Vasalisa voltou-se para a boneca assim que a Yaga se foi.
— O que vou fazer? Vou conseguir cumprir as tarefas a tempo?
A boneca disse que sim e recomendou que ela comesse algo e fosse dormir. Vasalisa deu algo de comer à boneca também e adormeceu.
Pela manhã, a boneca havia feito todo o trabalho, e só faltava preparar a refeição. À noite, a Yaga voltou e não encontrou nada por fazer. Satisfeita, de certo modo, mas irritada por não conseguir encontrar nenhuma falha, Baba Yaga zombou de Vasalisa.
— Você é uma menina de sorte.
Ela, então, convocou seus fiéis criados para moer o milho, e três pares de mãos apareceram em pleno ar e começaram a raspar e esmagar o milho. Os resíduos pairavam no ar como uma neve dourada. Finalmente, o serviço terminou, e Baba Yaga se sentou para comer. Comeu horas a fio e deu ordens a Vasalisa para que no dia seguinte limpasse a casa, varresse o quintal e lavasse a roupa.
— Naquele monte de estrume — disse a Yaga, apontando para um enorme monte de estrume no quintal — há muitas sementes de papoula, milhões de sementes de papoula. Amanhã quero encontrar um monte de sementes de papoula e um monte de estrume, completamente separados um do outro. Compreendeu?
— Meu Deus, como vou fazer isso? — exclamou Vasalisa, quase desmaiando.
— Não se preocupe, eu me encarrego — sussurrou a boneca, quando a menina enfiou a mão no bolso.
Naquela noite. Baba Yaga adormeceu roncando, e Vasalisa tentou catar as sementes de papoula do meio do estrume.
— Durma agora — disse-lhe a boneca, depois de algum tempo. — Tudo vai dar certo.
Mais uma vez, a boneca executou todas as tarefas e, quando a velha voltou, tudo estava pronto.
— Ora, ora! Que sorte a sua de conseguir acabar tudo! — disse Baba Yaga, falando sarcástica pelo nariz. Ela chamou seus fiéis criados para prensar o óleo das sementes, e novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa.
Enquanto a Yaga estava besuntando os lábios na gordura do cozido, Vasalisa ficou parada por perto.
— E aí, o que é que você está olhando? — perguntou Baba Yaga, de mau humor.
— Posso lhe fazer umas perguntas, vovó? — perguntou Vasalisa.
— Pergunte — ordenou a Yaga —, mas lembre-se, saber demais envelhece as pessoas antes do tempo.
Vasalisa perguntou quem era o homem de branco no cavalo branco.
— Ah — respondeu a Yaga, com carinho. — Esse primeiro é o meu Dia.
— E o homem de vermelho no cavalo vermelho?
— Ah, esse é o meu Sol Nascente.
— E o homem de negro no cavalo negro?
— Ah, sim, esse é o terceiro e ele é a minha Noite.
— Entendi — disse Vasalisa.
— Vamos, vamos, minha criança. Não quer me fazer mais perguntas? — sugeriu a Yaga, manhosa.
Vasalisa estava a ponto de perguntar sobre os pares de mãos que apareciam e desapareciam, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso e, em vez disso, Vasalisa respondeu.
— Não, vovó. Como a senhora mesma diz, saber demais pode envelhecer a pessoa antes da hora.
— É — disse a Yaga, inclinando a cabeça como um passarinho —, você é muito
ajuizada para a sua idade, menina. Como conseguiu isso?
— Foi a bênção da minha mãe — disse Vasalisa, com um sorriso.
— Bênção?! — guinchou Baba Yaga. — Bênção?! Não precisamos de bênção nenhuma aqui nesta casa. É melhor você procurar seu caminho, filha. — E foi empurrando Vasalisa para o lado de fora.
— Vou lhe dizer uma coisa, menina. Olhe aqui! — Baba Yaga tirou uma caveira de olhos candentes da cerca e a enfiou numa vara. — Pronto! Leve esta caveira na vara até sua casa. Isso! Esse é o seu fogo. Não diga mais uma palavra sequer. Só vá embora.
Vasalisa ia agradecer à Yaga, mas a bonequinha no fundo do bolso começou a saltar para cima e para baixo, e Vasalisa percebeu que devia só apanhar o fogo e ir embora. Ela voltou correndo para casa, seguindo as curvas e voltas da estrada com a boneca lhe indicando o caminho. Era noite, e Vasalisa atravessou a floresta com a caveira numa vara, com o brilho do fogo saindo pelos buracos dos ouvidos, dos olhos, do nariz e da boca. De repente, ela sentiu medo dessa luz espectral e pensou em jogá-la fora, mas a caveira falou com ela, insistindo para que se acalmasse e prosseguisse para a casa da madrasta e das filhas.
Quando Vasalisa ia se aproximando da casa, a madrasta e suas filhas olharam pela janela e viram uma luz estranha que vinha dançando pela mata. Cada vez chegava mais perto. Elas não podiam imaginar o que aquilo seria. Já haviam concluído que a longa ausência de Vasalisa indicava que ela a essa altura estava morta, que seus ossos haviam sido carregados por animais, e que bom que ela havia desaparecido!
Vasalisa chegava cada vez mais perto de casa. E, quando a madrasta e suas filhas viram que era ela, correram na sua direção dizendo que estavam sem fogo desde que ela havia saído e que, por mais que tentassem acender um, ele sempre se extinguia.
Vasalisa entrou na casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido à sua perigosa jornada e por ter trazido o fogo para casa. No entanto, a caveira na vara ficou observando cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. Antes de amanhecer, ela havia reduzido a cinzas aquele trio perverso.
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E assim termina, com um final abrupto para abalar as pessoas tirando-as do conto de fadas e as devolvendo para a realidade. Existem muitos finais desse tipo nos contos de fadas. Eles equivalem a dar um susto nos ouvintes para trazê-los de volta à realidade concreta.
Vasalisa é uma história da transmissão da bênção do poder da intuição das mulheres de mãe para filha, de uma geração para a outra. Esse enorme poder, o da intuição, tem a rapidez de um raio e é composto de visão interior, audição interior, percepção interior e conhecimento interior.
Durante gerações a fio, esses poderes intuitivos transformaram-se em correntes subterrâneas dentro das mulheres, enterradas pelo descrédito e pela falta de uso. No entanto, Jung uma vez observou que nada jamais se perde na psique.
Podemos ter a confiança de que tudo o que foi perdido na psique ainda está lá.
Portanto, esse repositório da intuição instintiva das mulheres nunca se perdeu realmente, e tudo o que estiver encoberto poderá voltar a ser exposto.
Para compreender uma história dessas, consideramos que todos os seus componentes representam a psique de uma única mulher. Desse modo, todos os aspectos da história pertencem a uma única psique que passa por um processo de iniciação. A iniciação é representada pelo cumprimento de certas tarefas. Nesse conto, há nove tarefas a serem cumpridas pela psique. Elas se concentram na aprendizagem dos hábitos da Velha Mãe Selvagem.
Com a realização dessas tarefas, a intuição da mulher — esse ser sagaz que vai onde a mulher for, que examina todos os aspectos da sua vida e tece comentários sobre a verdade de tudo com precisão e rapidez — é reinstalada na sua psique. O objetivo é um relacionamento do amor e confiança com esse ser a quem chamamos de “a mulher que sabe”, a Mulher Selvagem.
Mulheres Que Correm Com Lobos, de Clarissa Estés.
Foto: Gfoster67