Talvez tenhamos medo de perder completamente o controle se não nos fixarmos na realidade. E, como o antigo tirano que matou todo mundo na cidade para que aquele que o insultara não pudesse fugir, nós matamos grande parte da nossa criatividade com a nossa necessidade, repleta de medo, de proteger o reino conhecido. Creio que muito fanatismo religioso provém dessa necessidade de controle. Uma vez, eu li que fanático é alguém que perdeu de vista seu objetivo e redobrou seus esforços.
Nossa história como espécie está ligada à elaboração, à manutenção e à destruição de ondas sucessivas de visões estanques da realidade. A “visão” que afirma que “o mundo é plano” transforma-se numa nova “visão” que afirma que “o mundo é redondo”. A visão da realidade que proclama que “a escravidão é uma necessidade econômica” transforma-se naquela que diz: “Não está certo ter escravos.”
Poucas pessoas corajosas questionam essas velhas “visões” da realidade. Primeiro, uns poucos, depois muitos deles e, finalmente, todo mundo procura esquivar-se. Os grandes criadores lançam-se para além do conhecido, mas, muitas vezes, eles pagam um alto preço em termos de personalidade. Tenho observado que a perseguição que encontram é a tarefa da sua alma, e eles parecem suportá-la com uma disposição que é incrível para aqueles que têm medo de se aventurar um pouco além dos mitos tribais. Mais cedo ou mais tarde, mais alguns adotam a crença de um “herege” pioneiro. Depois, outros mais. Finalmente, todos acabam vendo as coisas de uma nova maneira. E a obra dinâmica da criação continua. Se eu tenho uma crença e a reforço com muito energia — pensamentos, palavras, paixão, tempo — ela se torna uma coisa viva e imprime-se sobre um éter universal muito tênue que aceitará tudo aquilo que eu colocar nele, seja bom, ruim ou indiferente. Então ela se torna um ímã nesse éter.
Células semelhantes se atraem. Se você concordar com o pensamento que eu criei, ele começará a criar força, consideravelmente mais do que apenas um mais um. O princípio da progressão geométrica multiplica rapidamente a energia. Se milhares e depois milhões de pessoas concordarem conosco, logo a crença se tornará realidade aceita, uma nova fronteira. Quer no microcosmo de uma vida, quer no macrocosmo da nossa espécie, formamos a realidade com base nas nossas percepções; construímos os nossos sistemas para apoiar essas percepções; e então a evolução avança e as desafia. Começamos a questionar o velho, a lutar entre o velho e o novo, a nos expandir para estabelecer o compromisso com a nova realidade e a construir uma nova maneira de concebê-la. As concepções com as quais concordamos estabelecem o modo como o mundo todo é dirigido, dos governos às religiões e à vida pessoal.
Não é de admirar que o demônio tenha dado a resposta que deu quando ele e um amigo estavam caminhando e viram um homem parar à sua frente e pegar alguma coisa do chão.
— O que foi que ele pegou? — perguntou o amigo.
— Oh, apenas um pouquinho da verdade — replicou o demônio.
— Isso não o aborrece?
— Não — respondeu o demônio. — Eu vou deixar que fabrique uma crença com isso. Se eu acreditar que sou “apenas humano”, não serei capaz de criar nada além disso. Muitas vezes sentimos orgulho de ser realistas. “Só acredito vendo”, dizemos. Talvez a melhor parte da sabedoria consista em dizer: “Só verei quando acreditar.”
Existe uma história a respeito de um navegador português, Fernando de Magalhães, embora eu também já a tenha ouvido sendo atribuída a Charles Darwin.
Durante a viagem de Magalhães ao redor do mundo, ele ancorou na extremidade sul da América do Sul, num lugar hoje denominado Terra do Fogo. Ele foi recepcionado, na praia, por nativos pacíficos que ficaram perplexos em vê-lo ali. Como é que aparecera de repente em suas praias? Ele apontou para os navios ancorados ao longe. Porém, os grandes barcos com velas estavam fora da realidade deles, e eles eram totalmente incapazes de vê-los realmente. Finalmente, um de seus xamãs, que era capaz de admitir a possibilidade do desconhecido, viu os navios e ensinou o seu povo a vê-los também.
Conheço uma mulher que, aos três anos de idade, perdeu a mãe. A mente das crianças não aceita a morte. Quando os parentes a levaram para perto do caixão para dar um último adeus à mãe, ela viu um caixão vazio. Sim, é claro que sua mente estava dissociada da realidade da morte. Mas isso apenas enfatiza a capacidade que o nosso cérebro tem de negar toda realidade que não compreendemos ou que desafia o nosso conceito de realidade e de segurança.
Fico imaginando quantos navios à vela perdemos porque acreditamos firmemente que não estão presentes. Um de nossos detetives mais famosos de ficção, Sherlock Holmes, gostava de nos fazer lembrar que prova circunstancial é algo muito enganoso. Pode parecer que ela aponta para uma coisa mas, se você mudar ligeiramente o ângulo de percepção, pode descobrir que as provas apontam, de um modo igualmente convincente, para algo bem diferente. “Não há nada mais decepcionante do que um fato óbvio.”
Se eu acreditar que sou apenas aquilo que criei — meus talentos, meu corpo, meu QI, minhas reações emocionais — vou investir pesadamente em preservar isso. Mas, quando desperto para a verdade de que sou eu o ser que está por trás da criação, eu me liberto para olhar para o meu mundo de uma nova maneira. A maioria de nós está profundamente condicionada a acreditar que é aquilo que faz e vivencia.
Eu estou vivenciando a riqueza ou a pobreza; portanto, sou pobre ou rico. Tenho o título de doutor; portanto, sou aquele título de doutor. Estou ressentido com minha irmã; portanto, sou ressentimento. Essas crenças estão de tal modo impressas na nossa identidade que construímos poderosos suportes tribais para deixar claro uns para os outros que aquilo que fazemos é aquilo que somos. Porém, aceitar nossas experiências como aquilo que somos é algo que pode criar uma realidade muito tênue.
Um negócio errado ou uma mudança econômica e lá se vai o emprego e o pagamento da nossa hipoteca. Um vaso sangüíneo pode romper-se e o mesmo acontece com o nosso QI.
Havia um homem idoso que estudou a Bíblia durante cinqüenta anos e que era considerado uma autoridade no assunto. Numa entrevista, perguntaram-lhe: “Depois de todos esses anos de estudo das Escrituras, qual é o seu versículo favorito?” Ele sorriu e disse: “E assim se fez.”
As 7 Etapas de Uma Transformação Consciente, p. 80
Foto: Tony Hall