O cãozinho da história demonstra exatamente como funciona a tenacidade psíquica. Os cães são os mágicos do universo. Com sua simples presença, eles transformam o mau humor em sorrisos, as pessoas tristes em pessoas menos tristes. Eles geram relacionamentos. Como na antiga epopéia da Babilônia “Gilgamesh”, na qual Inkadu, o homem-animal peludo, contrabalança Gilgamesh, o rei excessivamente racional, o cachorro é todo um lado da natureza dualista do homem.
Ele é a natureza dos bosques, aquele que sabe rastrear, que sabe porque pressente o
que é o quê.
O cãozinho gosta das irmãs porque elas o alimentam e sorriem para ele. O feminino místico compreende e aceita prontamente a natureza instintiva do cachorro.
Os cães representam, entre outras coisas, aquele (ou aquela) que ama do fundo do coração com espontaneidade e perseverança, que perdoa sem esforço, que consegue correr muito e lutar, se necessário, até a morte. A natureza do cão fornece pistas concretas de como um pretendente irá conquistar o coração das duas irmãs… e a
Mulher Selvagem.
Manawee não adivinha os nomes mais uma vez e volta penosamente para casa. No entanto, o cachorrinho volta para a choupana das moças e presta atenção até ouvir seus nomes. No mundo dos arquétipos, a natureza do cão tanto é psicopômpica — a de um mensageiro entre o mundo exterior e o mundo das trevas — quanto ctoniana —, aquela que provém das regiões mais escuras e mais remotas da psique, especificamente do mundo subterrâneo. É essa sensibilidade que o parceiro tenta alcançar para compreender a dualidade.
O cão é semelhante ao lobo, só um pouco mais civilizado, embora, como vemos no resto da história, não tanto assim. Esse cãozinho em sua função psicopômpica é a psique instintiva. Ele ouve e vê de modo diferente do ser humano. Ele se transporta a níveis em que o ego sozinho jamais chegaria a pensar. Ele ouve palavras e instruções que o ego não consegue ouvir. E ele segue o que ouve.
Uma vez, num museu de ciências em San Francisco, entrei num recinto cheio de microfones e alto-falantes que simulavam a capacidade de audição do cachorro.
Quando uma palmeira balançava ao vento, parecia o dia do Armagedon. Quando se ouviam passadas chegando ao longe, parecia que um milhão de saquinhos de flocos
de milho estavam sendo esmagados bem no meu ouvido. O mundo do cachorro é cheio de sons cataclísmicos e constantes… sons que nós, como seres humanos, absolutamente não registramos. Mas o cachorrinho registra.
O cão ouve, portanto, fora da faixa de audição “humana”. Esse aspecto mediúnico da psique instintiva capta pela intuição a atividade profunda, a música profunda e os profundos mistérios da psique feminina. É essa natureza que tem a capacidade de compreender a natureza selvagem nas mulheres.
Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés.
Foto: Ferrari