Afinal, a mãe pata não agüenta mais a perseguição ao filhote que ajudou a pôr no mundo. O que é mais esclarecedor ainda é o fato de ela não conseguir mais tolerar o tormento a ela imposto pela comunidade quando tenta proteger seu filho “diferente”. E assim ela desiste. Ela exclama para o patinho que preferia que ele desaparecesse. E o filhote torturado foge.
Quando uma mãe desiste, isso significa que ela perdeu o sentido de si mesma.
Ela pode ser uma mãe perversamente narcisista que se sente no direito de ser criança também. É mais provável que ela tenha sido isolada do Self selvagem e que tenha entrado em prostração, forçada por alguma ameaça real, de ordem psíquica ou física.
Quando as pessoas caem prostradas, elas geralmente caem em um dentre três estados emocionais: o de confusão, o de agitação (quando têm a impressão de que ninguém sente uma solidariedade adequada pela sua aflição) ou o de abismo (uma reencenação emocional de antigas feridas, muitas vezes frutos de uma injustiça inexplicada e não corrigida perpetrada contra elas ainda quando crianças).
O meio para forçar a prostração de uma mãe consiste em dividi-la emocionalmente. O método mais comum, desde o início dos tempos, foi o de forçar a mãe a escolher entre o amor ao filho e o medo do mal que a comunidade possa infligir a ela e ao filho se ela não respeitar as normas. Em A escolha de Sofia, de William Styron, a heroína, Sofia, é prisioneira num campo de concentração. Ela está diante do comandante nazista com os dois filhos nos braços. O comandante a força a escolher qual das duas crianças deve viver e qual deve morrer, dizendo-lhe que, se não fizer essa escolha, as duas crianças serão mortas.
Embora seja inconcebível ser forçada a fazer uma escolha dessas, trata-se de uma opção psíquica que as mães foram forçadas a fazer há séculos. Cumpra as normas e elimine seus filhos, se não… E isso continua. Quando uma mãe é forçada a escolher entre o filho e a cultura, existe algo de repulsivamente cruel e irrefletido nessa cultura. Uma cultura que exija que se prejudique a própria alma para fazer cumprir as proibições é na verdade uma cultura muito doente. Essa “cultura” pode ser aquela em que a mulher vive mas, o que seria ainda mais prejudicial, ela pode ser a cultura que a mulher leva por aí e com a qual concorda dentro da sua própria cabeça.
Existem inúmeros exemplos literais de situações desse tipo em todo o mundo,sendo os exemplos mais hediondos encontrados na América, onde sempre foi tradição separar à força as mulheres dos seus seres amados e das coisas que amam.
Houve a longa e deplorável história da divisão forçada de famílias pela escravidão, nos séculos XVIII, XIX e XX. Nos últimos séculos, houve a prescrição de que as mulheres entregassem seus filhos à nação em nome da guerra, e de que se sentissem felizes com isso.
Em várias épocas, houve costumes diferentes no mundo inteiro que ditavam que não se podia permitir à mulher amar quem amasse e do modo que desejasse.
Uma das repressões menos comentadas na vida da alma das mulheres está relacionada a milhões de mães solteiras ou de mães que nunca se casaram em todo o mundo e mesmo nos Estados Unidos, que, apenas neste século, foram pressionadas pêlos costumes culturais a esconder sua condição ou seus filhos, a matar ou entregar seus rebentos ou ainda a viver uma semivida com identidade falsa e como cidadãs desprezadas e indefesas.
Há gerações as mulheres aceitaram o papel de legitimação como seres humanos através do casamento com um homem. Elas estiveram de acordo com a idéia de que um ser humano pudesse não ser aceitável a menos que um homem dissesse o contrário. Sem essa proteção “masculina”, a mãe é vulnerável. É irônico, portanto, que na história do patinho feio o pai seja mencionado apenas uma vez. Isso ocorre quando a mãe pata está chocando o ovo daquele patinho. Ela se queixa do pai da sua prole: “Aquele safado não veio me visitar uma vez sequer.” Há muito tempo na nossa cultura, o pai — por infelicidade e pelo motivo que seja — foi incapaz de ser de ajuda a quem quer que fosse e, o que é mais terrível, a si mesmo, ou não se dispôs a isso. Seria fácil afirmar que para inúmeras meninas selvagens, o pai foi um homem prostrado, apenas uma sombra que pendurava a si mesmo e ao seu casaco no armário todas as noites.
Quando a mulher tem um constructo de mãe prostrada dentro da sua psique e/ou da sua cultura, ela é indecisa quanto ao seu valor. Ela pode considerar que as escolhas entre cumprir exigências exteriores e as exigências da alma são questões de vida ou morte. Ela pode se sentir como um pária atormentado que não se encaixa em nenhum lugar — o que é uma sensação relativamente normal para a pessoa “diferente” — mas o que não é normal é ficar sentada chorando, sem fazer nada.
Devemos nos levantar e sair à procura do lugar a que pertençamos. Para quem é “diferente”, é sempre esse o próximo passo. E para uma mulher com uma internalização da mãe prostrada, esse passo é vital. Se a mulher tiver uma mãe prostrada, ela deve se recusar a se tornar outra mãe prostrada para si mesma.
Mulheres Que Correm Com Lobos, de Clarissa Pínkola Estés.
Foto: FngKestrel
É… ser mulher deve ser muito complicado mesmo.
Ah, é muito rico ser uma mulher, isso com certeza…é de uma riqueza incomensurável, em todos os sentido. Eu acho que vou querer ser mulher mais uma vez na próxima vida…e vc?