Os gatos desgrenhados e as galinhas vesgas do mundo

O gato desgrenhado e a galinha vesga  consideram as aspirações do patinho estúpidas e sem sentido. Isso dá exatamente a perspectiva correta quanto à suscetibilidade e aos valores daqueles que criticam quem não é igual a eles. Quem esperaria que um gato gostasse da água? Quem iria pensar numa galinha nadando? É claro que ninguém. No entanto, com enorme freqüência, do ponto de vista do proscrito, quando as pessoas não são parecidas, é o proscrito que é inferior, não o outro.

Bem, com a atitude de não querer tornar ninguém inferior a outra pessoa, ou não mais do que for preciso, digamos que nesse ponto o patinho passa pela mesma experiência pela qual passaram milhares de mulheres ” exiladas”  — aquela de uma incompatibilidade básica com pessoas diferentes, que não é culpa de ninguém, apesar de que a maioria das mulheres, num excesso de amabilidade, assumam o fato como se fosse sua culpa exclusiva.
Quando isso acontece, vemos mulheres que estão sempre dispostas a pedir desculpas pelo espaço que ocupam. Vemos mulheres com medo de dizer simplesmente, “Não, obrigada”, e ir embora. Vemos mulheres dando ouvidos a alguém que lhes repete insistentemente que elas são teimosas, sem compreender que os gatos não nadam e que as galinhas não mergulham.
Devo admitir que às vezes considero útil no meu trabalho clínico delinear as diversas tipologias da personalidade como gatos, galinhas, patos, cisnes e assim por diante. Se a situação permitisse, eu poderia pedir a uma cliente que imaginasse por um instante ser um cisne que não sabe quem é. Imagine-se, também, por um instante que ela tenha sido criada ou esteja atualmente cercada por patos.
Não há nada de errado com os patos, afianço às minhas clientes, ou sequer com os cisnes. Mas patos são patos, e cisnes são cisnes. Às vezes, para transmitir bem a mensagem, passo para outras imagens do reino animal. Gosto de usar camundongos. E se você fosse criada pelo povo camundongo? E se você fosse, digamos, um cisne? Os cisnes em geral detestam os alimentos que os camundongos comem e vice-versa. Cada um deles acha que o outro tem um cheiro esquisito. Eles não têm interesse em passar tempo juntos, e, se o fizessem, estariam constantemente perseguindo uns aos outros.
E o que dizer se você, sendo um cisne, teve de fingir ser um camundongo? E se você teve de fingir ser cinzento, peludo e diminuto? E se lhe faltava um rabo longo e sinuoso para ficar em exibição no dia de andar com o rabo para cima?E se, onde quer que você fosse, você tentasse andar como um camundongo, mas acabasse gingando?
E se você tentasse falar como um camundongo, mas a cada vez que tentasse saísse um
grasnido? Você não se sentiria a criatura mais infeliz do mundo?
A resposta é um inequívoco sim. Então, por que, se tudo isso é tão verdadeiro, por que as mulheres não param de tentar se curvar e se dobrar para assumir formas que não são suas? Devo dizer, com base em anos de observação clínica do problema, que na maioria das vezes isso não decorre de um masoquismo enraizado ou de uma dedicação perversa à autodestruição ou qualquer atitude dessa natureza. Com enorme freqüência, isso ocorre porque a mulher não sabe o que fazer. Ela foi criada sem mãe.
Há um ditado que diz  tu puedes saber muchas cosas, é possível saber acerca das coisas, mas não se trata do mesmo que sentido, que deter o sentido. Já o patinho parece saber “das coisas”, mas ele não tem nenhum bom senso. Ele é sem mãe ou seja, não foi instruído nos níveis mais elementares. Lembrem-se, é a mãe que ensina ao expandir o talento ou instinto inato à prole. As mães do reino animal que  ensinam seus filhotes a caçar não estão exatamente os ensinando “a caçar” pois isso já está nas suas entranhas. Elas os ensinam a se precaver disso e daquilo, a prestar atenção às coisas. Elas ensinam tudo que os filhotes desconheciam até que ela mostrasse, ativando, assim, novos conhecimentos e sabedoria inata.
O mesmo ocorre com a mulher exilada. Se ela for um patinho feio, se ela não tiver mãe, seus instintos não estarão aguçados. Em vez disso, ela aprende pelo método de ensaio e erro. Geralmente muitas  tentativas e erros inúmeros. Existe esperança, porém, pois a criatura rejeitada nunca desiste. Ela persiste até encontrar seu guia, até farejar a pista, o rastro, até encontrar seu chão.
Os lobos nunca são mais engraçados do que quando perderam a pista e fazem tudo para recuperá-la. Eles saltam no ar, correm em círculos, escavam o chão com o focinho, arranham o chão, correm adiante, voltam e ficam parados como estátuas: a impressão é a de que enlouqueceram. Mas o que eles estão realmente fazendo é recolhendo todos os indícios que podem encontrar. Estão captando esses indícios com mordidas no ar. Estão enchendo os pulmões com os cheiros do nível do chão e do nível das espáduas. Eles provam o ar para ver quem passou por ali recentemente, com as orelhas girando  como antenas parabólicas, captando transmissões de muito longe. Uma vez que eles tenham todos esses indícios em ordem, eles sabem como prosseguir.
Embora a mulher possa parecer desmiolada, quando perdeu o contato com a vida que mais valoriza, e esteja correndo de um lado para o outro tentando reconquistá-la, na maioria das vezes ela está recolhendo informações, provando um pouco disso aqui, agarrando com uma patada um pouco daquilo lá. O máximo que se pode fazer seria explicar sucintamente o que ela está fazendo e deixá-la em paz.
Assim que ela processar todas as informações das pistas recolhidas, ela voltará a se movimentar de modo deliberado. E então o desejo de pertencer ao clube do gato desgrenhado e da galinha vesga acabará desaparecendo totalmente.

Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés

Foto: Plashing Vole

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