Na casa do carrasco: A tentativa de tirar os sapatos, tarde demais

Quando a natureza selvagem quase foi exterminada, nos casos mais extremos, é possível que uma deterioração esquizóide e/ou uma psicose possam dominar a mulher.

De repente ela pode simplesmente ficar na cama, recusar-se a se levantar, vaguear de um lado para outro de roupão, esquecer distraída cigarros acesos, três em cada cinzeiro, chorar sem conseguir parar, passear descabelada pelas ruas, abandonar a família de repente para vaguear por aí. Ela pode ter tendências suicidas; ela pode se matar acidentalmente ou de propósito. No entanto e muito mais comum é o fato de a mulher simplesmente ficar entorpecida. Ela não se sente nem bem nem mal; apenas não sente nada.
E o que acontece com a mulher quando suas vibrantes cores psíquicas são mescladas? O que acontece quando se misturam o vermelho-escarlate, o azul-safira e o amarelo-topázio? Os pintores sabem. Quando alguém mistura cores vibrantes,  o resultado é uma cor chamada lama. Não a lama que é fértil, mas uma lama que é estéril, sem cor, estranhamente pálida, que não emite luz. Quando o pintor cria lama na tela, ele precisa começar tudo de novo.
Essa é a parte difícil; é aí que os sapatos têm de ser arrancados à força. Dói o movimento de se isolar da dependência destrutiva. Ninguém sabe por quê. Seria de se esperar que as pessoas sentissem alívio. Seria de se esperar que elas se sentissem salvas no último instante. Seria de se esperar que elas se alegrassem. Mas não, elas entram em pânico, ouvem dentes rangendo e descobrem que são os seus próprios dentes que fazem esse barulho. Sentem que estão sangrando de certo modo, apesar de não se ver nenhum sangue. No entanto, é essa dor, essa separação,  essa situação de não ter em que se afirmar, de não ter uma casa para onde voltar, é exatamente isso que é necessário para recomeçar, para voltar à vida feita à mão, aquela elaborada por nós com cuidado e atenção a cada dia.
É, a dor chega quando a pessoa se vê separada dos sapatinhos vermelhos. Essa separação é, porém, a nossa única esperança. Ela vem repleta de bênçãos incondicionais. Os pés vão crescer de novo; vamos descobrir nosso próprio caminho; vamos nos recuperar; um dia vamos voltar a correr, saltar e pular. Quando isso acontecer, a nossa vida feita à mão estará pronta. Nós a assumiremos e nos encheremos de espanto por termos tido a sorte de ter mais uma oportunidade.

Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés

Foto: TheKarenD

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