Coyote Dick*

* Dick é a forma hipocorística de Richard, mas é também um termo vulgar para designar o pênis. (N. da T.)

Creio que as piadas que Baubo contou a Deméter eram piadas de mulheres a respeito desses belos transmissores e receptores: os órgãos genitais. Nesse caso, talvez Baubo tenha contado a Deméter uma história como a que se segue, que ouvi há alguns anos de um administrador de estacionamento de trailers em Nogales. Seu nome era Old Red e ele alegava ser de origem indígena.
Ele não estava usando sua dentadura e não se barbeava há alguns dias. Sua esposa simpática, Willowdean, tinha o rosto bonito porém castigado. Ela me disse que havia uma vez quebrado o  nariz numa briga de bar. Eles possuíam três Cadillacs, nenhum funcionando. A mulher tinha um Chihuahua que mantinha preso num cercadinho na cozinha. Ele era o tipo de homem que não tira o chapéu nem quando está sentado no vaso sanitário.


Eu estava recolhendo histórias e havia chegado ao seu território com meu pequeno trailer Napanee.
— Vocês conhecem algumas histórias típicas dessa região?  — comecei, querendo dizer sua terra e redondezas.
Old Red olhou para a mulher com um sorriso matreiro e frouxo e a provocou, debochado.
— Vou contar para ela a história de Coyote Dick.
— Red, não conte essa história para ela. Não vá me contar essa história.
— Vou lhe contar a história de Coyote Dick de qualquer jeito  — afirmou Old Red. Willowdean pôs as mãos na cabeça e falou direto para a mesa.
— Red, não conte essa história. Estou falando sério.
— Vou contar, e é agora mesmo, Willowdean. — Willowdean sentou-se de lado, com a mão tapando os olhos como se tivesse ficado cega.
Eis a história que Old Red me contou. Ele disse  que a havia ouvido “de um índio navajo, que a havia ouvido de um mexicano, que a havia ouvido de um hopi“.

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Era uma vez Coyote Dick, e ele era tanto a criatura mais esperta quanto a mais tonta que jamais se podia esperar encontrar. Ele estava sempre querendo comer alguma coisa, sempre trapaceando as pessoas para conseguir o que queria e, em qualquer outra hora, estava dormindo.
Bem, um dia quando Coyote Dick estava dormindo, seu pênis ficou realmente entediado e resolveu abandonar Coyote para viver sozinho uma aventura. Foi assim que o pênis se soltou de Coyote Dick e saiu correndo pela estrada. Na realidade, ele pulava pela estrada afora já que possuía só uma perna.
E ele foi pulando e pulando, e se divertindo até que saltou da estrada e entrou na floresta, onde — Ah, não! — ele pulou direto numa moita de urtigas.
— Ai! — gritou ele. — Ai, ai, ai! — berrou ele. — Socorro! Socorro!
O barulho dessa gritaria toda acordou Coyote Dick e, quando ele estendeu a mão para dar partida no coração com a manivela, como de costume, viu que ela não estava mais lá. Coyote Dick saiu correndo pela estrada, segurando-se no meio das pernas, e afinal encontrou seu pênis passando pela maior dificuldade que se pudesse imaginar. Com grande delicadeza, Coyote Dick tirou seu pênis aventureiro do meio das urtigas, acarinhou-o, tranqüilizou-o e o devolveu ao seu lugar certo.
Old Red ria como um louco, com acesso de tosse, olhos saltados e tudo o mais.
— Essa é a história do velho Coyote Dick.
— Você se esqueceu de contar o final — repreendeu-o Willowdean.
— Que final? Já contei o final — resmungou Old Red.
— Você se esqueceu de contar para ela o verdadeiro final da história, seu porcaria.
— Ora, se você se lembra assim tão bem, então conte você mesma.  — A campainha tocou e ele se levantou da cadeira desconjuntada.
Willowdean olhou direto para mim, e seus olhos cintilavam.
— O final da história é a moral.  — Nesse instante, Baubo apoderou-se de Willowdean, pois ela começou a dar risinhos, a rir abertamente e afinal  a gargalhar tanto, e até com lágrimas, que levou dois minutos para conseguir dizer as duas últimas frases, já que repetia cada palavra duas ou três vezes enquanto tentava recuperar o fôlego.
— A moral é que, mesmo depois de Coyote Dick sair do meio das urtigas, elas fizeram seu pau coçar feito louco para todo o sempre. E é por isso que os homens estão sempre chegando perto das mulheres e querendo se esfregar nelas com aquele olhar de “Estou com uma coceira”. Pois é, aquele pau universal está coçando desde a primeira vez que fugiu do dono.
Não sei o que deu em mim, mas ficamos ali sentadas na cozinha, rindo aos guinchos e batendo na mesa até praticamente perdermos o controle dos músculos.
Depois, a sensação me pareceu semelhante àquela de ter comido um bom pedaço de raiz-forte. É esse o tipo de história que eu realmente acho que Baubo contou. Seu repertório inclui qualquer coisa que faça as mulheres rirem desse jeito, desenfreadas, sem ligar para as amídalas aparecerem, com a barriga solta, com os seios balançando.
Há algo numa risada sexual que é diferente de uma risada sobre temas mais educados. Uma risada “sexual” parece chegar longe e fundo na psique, sacudindo todos os tipos de coisas, tocando nos nossos ossos e fazendo com que uma sensação agradável corra por nosso corpo. Ela é uma forma de prazer selvagem que está à vontade no repertório psíquico de qualquer mulher.

O sagrado e o sensual/sexual vivem muito próximos um do outro na psique, pois eles despertam nossa atenção por meio de uma sensação de assombro, não por alguma racionalização, mas pela vivência de alguma experiência física do corpo, algo que instantaneamente ou para sempre nos muda, nos sacode, nos leva ao ápice, abranda nossas rugas,nos dá um passo de dança, um assobio, uma verdadeira explosão de vida.
No sagrado, no obsceno, no sexual, há sempre uma risada selvagem à espera, um curto período de riso silencioso, a gargalhada de velha obscena, o chiado que é um riso, a risada que é selvagem e animalesca ou o trinado que é como uma volata. O riso é um lado oculto da sexualidade feminina: ele é físico, essencial, arrebatado, revitalizante e, portanto, excitante. É um tipo de sexualidade que não tem objetivo, como a excitação genital. É uma sexualidade da alegria, só pelo momento, um verdadeiro amor sensual que voa solto e que vive, morre e volta a viver da sua própria energia. Ele é sagrado por ser tão medicinal. É sensual por despertar o corpo e as emoções. Ele é sexual por ser excitante e gerar ondas de prazer. Ele não é unidimensional, pois o riso é algo que compartilhamos com nosso próprio self bem como com muitos outros. É a sexualidade mais selvagem da mulher.
Segue-se mais um exemplo de histórias de mulheres e de deusas sujas. Essa história conheci quando criança. É surpreendente o que as crianças ouvem que os adultos acham que elas não ouvem.

Mulheres Que Correm Com Lobos, por Clarissa Pínkola Estés

Foto: Notashamed

Um comentário

  1. uma vez quando eu estava na escola uma professora de geografia me disse ” quem muito ri, muito chora” realmente a gente chora sim de tanto rir!!! a historia foi ótima e a moral dela melhor ainda!!!

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